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  • Foto do escritorMarta Rangel

#todaagentetemumahistoria

Atualizado: 28 de nov. de 2018

Quem olha para ela, pela primeira vez, não a vê realmente. Talvez veja uma parte. Mas não o todo que ela é. Maria é de estatura baixa, bastante magra, parece, até, frágil. Não fossem as marcas da vida traçadas no rosto e seria fácil ver nela uma menina. Até ao momento em que começa a falar sobre aquilo que a move e motiva. Aí, agiganta-se. O sonho é maior do que ela própria... E então? Que seja. Para ela, não há impossíveis. Maria não nasceu em berço de ouro. Pelo contrário. Aos dois anos de idade, a mãe adoeceu e pediu a uma senhora, imigrante africana, que cuidasse da filha até ela melhorar. Uma situação temporária tornou-se definitiva. Esta senhora, viúva, com seis filhos, acolheu Maria como se fosse sua. Mas a vida foi madrasta para Maria: tirou-lhe duas mães - uma, aos dois anos de idade, a outra aos 10. Maria cresceu com pouco - do ponto de vista financeiro - e com muito - nos valores que herdou e guarda até hoje. Aos 18 anos, foi de Portugal para o mundo. Emigrou e fez um pouco de tudo: trabalhou em limpezas, em restaurantes, em hotéis... o que fosse necessário para sobreviver. Aprendeu a falar fluentemente inglês e francês. De tal forma, que hoje tropeça um pouco no português. Mas são tropeções com graça. Uma graça muito dela. Um dia, vê um anúncio a pedir hospedeiras para uma das maiores - e mais luxuosas - companhias aéreas. Neste anúncio, exigiam-se determinados requisitos aos candidatos como uma estatura mínima, habilitações académicas...

- Se eu tivesse pensado nisso, nem tinha ido... Mas fui!, conta Maria. Como precisavam de pessoas com urgência, ignoraram a minha altura. Mas pediram-me o certificado de habilitações... Era preciso ter o 12º ano e eu só tinha a 4ª classe! Acham que eu desisti? Não! Dei-lhes esse certificado e disse que era o único que tinha... Eles concordaram e disseram que, mais tarde, podia entregar o outro... Fui fazer a formação, comecei a trabalhar... e nunca mais se lembraram! (risos). O problema da maioria das pessoas é que só vê a lagarta... e não pensa que, um dia, a lagarta torna-se borboleta!

Maria viajou pelo mundo, conquistou uma vida confortável, passava férias em sítios paradisíacos. Até que, um dia, tem uma estadia em Dhaka, capital do Bangladesh. E a vida puxou-lhe (outra vez) o tapete. O que viu e sentiu, ao visitar um bairro de lata e um Hospital, vieram definir uma nova forma de vida. Uma nova forma de estar na vida. Dois meses depois da primeira visita, inaugurou uma escola com 39 crianças que retirou das ruas. Fundou o Dhaka Project e chegou a 600 crianças. Percebeu a importância de também educar os adultos – e criou o Catalyst. As dificuldades de financiamento e algumas divergências locais levaram-na a criar a sua própria Fundação: Maria Cristina, em homenagem à mãe adoptiva. O sonho? Quebrar o ciclo de pobreza e ver as “suas” crianças chegar à Universidade. A crise financeira de 2009 também prejudicou a Fundação e Maria começou a pensar em formas de chamar a atenção para a sua causa.

- Escrevi ao Cristiano Ronaldo, enviei um e-mail para participar no programa da Oprah... Ainda estou à espera de resposta!

Como chamar a atenção do mundo? Uma grande ambição requer, por vezes, grandes passos. De gigante. Para angariar dinheiro para as suas crianças, Maria decidiu entrar em competições. Entrar para ganhar. Onde outros nunca tinham ganho ou sequer estado. Em 2010, escalou o Monte Kilimanjaro; no ano seguinte, fez 7 maratonas em 7 dias em 7 Emirados; em 2013, foi a primeira portuguesa a chegar ao topo do Everest…

- O Everest não é aquela coisa bonita e de sonho que se vê nos filmes... Lá no topo há morte. Algumas pessoas sentaram-se para descansar e morreram congeladas. Ficaram ali, iguais ao que eram. Conservadas pelo frio. Eu tive alucinações. Tinha tanto frio que via chávenas de chá e café quentes, a fumegar... Mas tive o discernimento de pensar... 'No, it's not possible. My brain works!'. E continuava. Quando estou a chegar ao topo, num caminho estreito, estava um cadáver... Eu tive de fazer um esforço para passar por cima.

Enquanto fala, abre muito os olhos, como se uma parte dela ainda estivesse a viver aquilo, ainda estivesse lá. Gesticula, aponta como se os outros estivessem ali. Benze-se quando fala na morte. Disfarça um arrepio, um incómodo que permanece.

- Acham que eu festejei quando cheguei ao topo? Não! O meu guia adoeceu... Ele e o sherpa disseram-me para continuar... Fui sozinha. Fiquei ali sentada, sem saber deles. Consegui voltar, mas foi traumatizante. Fiquei meses a ter pesadelos... Acordava em pânico a achar que tinha adormecido no Everest.

Jurou não mais voltar às montanhas. Então resolveu pesquisar qual seria o desafio equivalente. Encontrou: atravessar o canal da Mancha a nado. Era mesmo isso!! Pormenor: não sabia nadar. E era só mesmo um pormenor. Pouco mais de um ano depois de ter aprendido, lançou-se à água: 34 km, com uma temperatura de 15 graus, sem fato de mergulho, perante correntes e alforrecas... Foi para ganhar. Mas não ganhou. Porque uma história não é só feita de vitórias. Mas de tentativas. Muitas, todas. Até conseguir. Maria já conquistou 6 recordes Guiness. Seis. Hoje mesmo, Domingo, dia 11 de Junho, completou o sétimo Ironman - um triatlo de longa distância e alta resistência - em 16 horas. Ouvi-la falar é deixarmo-nos levar por um turbilhão de emoções, que nos arrebata e tira da zona de conforto. Quer queiramos quer não - é difícil ficar indiferente.

- Se tu tens um objectivo, seja qual for, foca-te nele. E segue em frente! Segue sempre! Pode demorar um ano, 10 anos, uma vida! Mas vais chegar lá!

O que Maria faz por nós, por cada um que a ouve, é muito mais do que tudo o que pudermos fazer por ela. Hoje, tem a cargo da Fundação Maria Cristina 172 crianças. Se puder, ajude: http://mariacristinafoundation.org/pt/fazer-um-donativo/

Texto e Fotografia: Marta Rangel


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