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#todaagentetemumahistoria

Foto do escritor: Marta RangelMarta Rangel

“Às vezes, os meninos ricos tratavam-me de maneira diferente porque havia coisas que eu não percebia ou conseguia partilhar. A comida que eles comiam, por exemplo, frango, eu nunca tinha comido”.



Quando se fala de pobreza no Bangladesh, é esta a realidade. Segundo o Banco Asiático para o Desenvolvimento, 21,8% da população vive abaixo do limiar de pobreza. 9,2% da população empregada ganha cerca de 1,90 dólares por dia (cerca de 1,50 euros) e 30 em cada 1000 crianças morrem antes dos cinco anos de idade.

Tofayel tem 18 anos e está extremamente nervoso com esta entrevista. Procuro conversar com ele, explico que não existem respostas certas nem erradas, que toda a gente tem uma história e esta é a dele - na medida em que ele me autorizar a contar.

Vivia numa “aldeia no centro da cidade” e garante que a infância “não foi nada de especial”: sem dar grandes detalhes, explica, apenas, que brincava e trabalhava ao mesmo tempo. A família era - e continua a ser - “muito pobre”. A mãe, dona de casa, e o pai fazia entregas. Quando nasceu, passaram a ser sete: os pais, ele, um irmão e três irmãs. O pai ganhava 300 takas por dia, menos de 3 euros. Viviam nos famosos “slums”, os bairros de lata de Daca, numa divisão de apenas um quarto. A cozinha e a casa-de-banho eram partilhadas com outras famílias.

- Como era o ambiente?, pergunto.

- Não era muito bom (risos). Mas as pessoas eram amigáveis.

- O que é que não era bom?

- Não havia espaço e era muito sujo.



Uma família de sete pessoas tinha de sobreviver com o ordenado de, apenas, uma. E chamar ordenado talvez seja eufemismo.


- Como é que eram as vossas refeições? Tinham dinheiro suficiente para comer?

- Não, não tínhamos dinheiro para comer.

- Quantas vezes por dia conseguiam comer?

Às vezes, comíamos duas vezes por dia, às vezes, só uma.



Talvez pelas extremas dificuldades em que viviam, Tofayel garante que a família sempre o apoiou a estudar. Tinha 8 ou 9 anos quando ouviu falar, pela primeira vez, na escola da Fundação Maria Cristina (MCF). E, tal como outros alunos, refere-se à fundadora, Maria Conceição, como “mom”: mãe. Quando lhe pergunto como foi o primeiro dia na escola, Tofayel esboça um grande sorriso.

- Era um sonho! Demasiado bonito.

- De que é que te lembras?

- Lembro-me de brincar com outras crianças, de falar com elas, de me perguntarem o nome. Os professores eram amigáveis e as salas de aula tinham óptimo aspecto. No início, foi um bocadinho difícil porque eu não entendia nada de inglês. Mas as professoras ajudavam muito e eu estou muito grata por elas.

- De que é que gostavas mais na escola?

- Não tínhamos roupa, mas, na escola, davam-nos roupa nova e ficávamos muito felizes. Também nos davam comida: o pequeno-almoço, o almoço…

- E, quando chegaste a casa, depois do primeiro dia de escola, o que disseste aos teus pais

- Disse que a escola era fantástica, que era o meu sonho!



Matemática é a disciplina preferida porque gosta de “fazer contas”. E - assegura - esforça-se sempre por estudar. Quando a escola da MCF fechou, conseguiu manter-se no rumo com a ajuda de alguns professores.


- Alguns professores mantiveram as escolas abertas, mas não nos cobravam dinheiro. Quando a Maria regressou, fomos para a Cambrian, uma escola privada.

- E como era essa escola?

- É óptima! É uma escola de pessoas ricas, com muita educação. A escola é linda, todas as salas têm ar condicionado.

- Como foi o primeiro dia?

- Eu estava muito nervoso porque não conhecia ninguém. Todos perguntavam quem éramos nós, de onde vínhamos. Mas, após alguns dias, receberam-nos bem e foram amigáveis.

- Sentias que te tratavam de maneira diferente?

- Às vezes, os meninos ricos tratavam-me de maneira diferente porque havia coisas que eu não percebia ou conseguia partilhar. A comida que eles comiam, por exemplo, frango, eu nunca tinha comido.

- E convidavam-te para ires a casa deles?

- Como estudamos todos na mesma escola, somos amigos. Alguns convidavam-me para ir a casa deles.

- Como eram as casas?

- As casas são tão grandes, demasiado grandes (risos)! E o ambiente excelente.

- E tu, convidava-los para irem a tua casa?

- Não!

- Porquê? Tinhas vergonha do sítio onde vivias?

- Eu não os convidava para ir a minha casa (risos). Porque a casa não tinha bom aspecto! Eu não tinha um quarto para mim, por isso, como ia recebê-los?



Actualmente está no 12º ano e sonha estudar Engenharia Aeronáutica.


- Quando era criança, adorava fazer contas, mas tinha muitos brinquedos de aviões. É o meu sonho de criança!


Tal como outros estudantes da MCF, Tofayel ambiciona poder continuar os estudos na Universidade em Portugal. Mas, para isso, precisa de um patrocinador. O que pede agora promete devolver, a quem precisar, no futuro.


- Agora sou pobre. Quando tiver dinheiro, quero dar educação a quem não pode pagar.

- No Bangladesh? Queres regressar ao teu país?

- Claro que vou regressar ao Bangladesh. As pessoas são muito pobres e quero ajudá-las. O meu futuro é aqui.


Se gostaria de ajudar Tofayel ou outro estudante da Fundação Maria Cristina a prosseguir os estudos, veja mais sobre o trabalho da Fundação no site, Instagram ou Facebook.


 

Esta história é verídica e relata a vida de Tofayel contada na primeira pessoa, durante uma entrevista realizada por videochamada no dia 13 de abril de 2021. Foi escrita no âmbito de um trabalho realizado para a Fundação Maria Cristina.


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