Marta Rangel
#todaagentetemumahistoria
Tudo em Fatema é doce: a forma como fala, como olha, como sorri, de entusiasmo, perante a entrevista, até a forma como faz confidências.

- Os meus pais amam-me, mas a minha avó não me ama porque sou uma menina.
- Como é que sabes que a tua avó não te ama?
- Ela diz que eu não sou nada para ela.
- E como é que isso te faz sentir?
- Sinto que ela não é boa para mim.
- A tua avó tem outros netos… rapazes?
- Tem só um. E, um dia, a minha avó vai ter saudades minhas.
- Porque é que dizes isso?
- Porque o neto não gosta dela.
Fatema fala, desta forma, do alto dos seus 11 anos. É a mais velha de três irmãs, três meninas: ela, com 11; uma com 6 e outra com, apenas, 1 ano.
A mãe é dona de casa e o pai puxa riquexós. Fatema diz que a vida “agora é boa”. Começou a frequentar a escola com 6 anos “com a ajuda da tia”. A tia conheceu Maria Conceição, da Fundação Maria Cristina (MCF), que “ficou muito preocupada” com a história de Fatema. Apenas assim, sem mais detalhes. Talvez sejam pormenores que a pouparam de saber. Então, começou a frequentar a escola da Fundação.
- Como te sentiste quando foste para a escola?
- Senti-me muito mal porque não sabia falar inglês. Mas agora estou muito feliz porque já sei, afirma com um grande sorriso.
E antes que eu tivesse tempo de lhe perguntar, ela atirou:
- Tenho tantas saudades da escola… Por causa do coronavirus, não posso ir para a escola e fico muito triste.
- Porque é que gostas da escola?
- Tenho muitos amigos e gosto de falar com eles!
- E das aulas? Quais são as tuas disciplinas preferidas?
- Inglês e Artes.
- Artes porquê?
- Porque eu desenho e a minha professora diz que eu sou rápida e muito boa, diz orgulhosa.
Velocidade é com ela. De tal forma que já ganhou três medalhas a correr.
- Sou boa desportista. Corro rápido! Um dia, fui para a escola e ganhei três medalhas. Consegues vê-las?
- Não… daqui não consigo.
- (Levanta-se e vai buscar para mostrar)
- Muito bem! Parabéns! E porque é que gostas de correr?
- Não sei. Sei que gosto de correr, mas não sei porquê.
- Quando corres como é que te sentes?
- Quando sou rápida, sinto-me bem! Gosto de ganhar!
Enquanto fala nas corridas, exige, orgulhosamente, a t-shirt que tem vestida de uma escola de futebol: outro desporto que pratica com os amigos.
Tal como muitas crianças da idade dela, Fatema adora animais e faz questão de mostrá-los.
- Tenho um gato e dois coelhos. Estás a vê-los?
- Sim, consigo ver.
- O gato é o Kalu.
- E os coelhos?
- Este é o coelho número 1 e este é o coelho número dois, explica enquanto aponta.
- Que giros! Eu tenho uma cadela.
- Eu também tenho cinco cães!
Pela aparente normalidade desta conversa, Fatema poderia ser uma criança de qualquer país. Tem uma família que a ama, vai à escola, tem amigos, animais de estimação, pratica desporto e tem tempo para brincar. Mas está no Bangladesh e, inevitavelmente, a realidade acaba por sobressair.
- O que queres ser quando cresceres?
- Quero ser médica.
- Porquê?
- Para ajudar os meus pais quando estiverem doentes.
- Mas eles estão doentes?
- Não, mas já estiveram.
- Alguma doença grave…?, pergunto para tentar entender a motivação.
- Não… É que, quando eu crescer, os meus pais já vão ser velhos e vão precisar da minha ajuda.
Com apenas 11 anos, Fatema já sente o peso da responsabilidade e sabe que, por ser a filha mais velha, um dia, vai ser responsável pelos pais.
Antes de terminarmos a nossa conversa, pergunto-lhe por Maria Conceição para tentar entender que papel tem na sua vida.
- A “mãe” Maria é o meu amor, diz, cheia de ternura.
- O teu amor? Porquê?
- Porque ela está sempre a ajudar mais e mais e eu gosto tanto dela. Quando a vejo, sinto que ela é o meu amor.
E não há Amor mais bonito que o de uma criança.
História verídica contada na primeira pessoa durante uma videochamada, no âmbito de um trabalho realizado para a Fundação Maria Cristina