Nasceu em Alcouce, uma pequena aldeia no distrito de Coimbra. Cresceu sem água nem televisor em casa. Mas cumpria dois rituais: de manhã, ia à fonte; à noite, via o noticiário em casa da avó. Por vezes, ajudava a família a pastar cabras… e perdia-as. Também não gostava de apanhar azeitonas, mas os rebuçados que a tia Isabel deixava no terreno eram um bom incentivo para ajudar na tarefa. Ouviu falar de política, pela primeira vez, através de um vizinho – Álvaro Febra era o comunista da aldeia, que contava histórias sobre a PIDE e a clandestinidade. Aprendeu com ele as noções de justiça e injustiça. Apesar de a avó – marcada pela ditadura - costumar preveni-la para não falar demais, Marisa cresceu em liberdade. Começou a trabalhar aos 16 anos para ajudar no orçamento familiar e fez de tudo um pouco: desde limpezas a secretariado. Até ao final do percurso escolar, foi sempre trabalhadora-estudante. E foi a primeira da família a ter uma Licenciatura. Depois veio o Mestrado e o Doutoramento, sempre em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
As sementes colocadas pelo vizinho comunista deram os primeiros frutos na Faculdade: fez greve contra a antiga Prova Geral de Acesso (PGA) e participou em lutas contra as propinas. Tornou-se, oficialmente, militante do Bloco de Esquerda em 2005, mas, desde 1999, fazia parte da Associação Manifesto, que esteve na fundação do partido.
Marisa Matias manteve o coração na aldeia e nas gentes da terra, ao mesmo tempo que abriu os braços para o mundo. Em 2004, tornou-se Investigadora Permanente do Centro de Estudos Sociais. Fez trabalho de campo nos Estados Unidos, Brasil e África do Sul. Conheceu outras culturas e realidades e permitiu que entrassem nela.
Foi eleita, pela primeira vez, deputada do Parlamento Europeu, em 2009, com pouco mais de 30 anos. Miguel Portas deu-lhe a mão e ajudou-a a descodificar a complexidade das instituições europeias. Em 2011 foi considerada eurodeputada do ano na área da saúde pelo trabalho no combate aos medicamentos falsificados, como relatora da estratégia europeia de combate ao Alzheimer e por ter fundado o Intergrupo da Diabetes. Foi reeleita em 2014. É presidente da Delegação para as Relações com os Países do Maxereque (Líbano, Jordânia, Síria e Egipto), membro da Conferência dos Presidentes das Delegações, da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários e membro suplente da Comissão da Indústria, da Investigação e da Energia. É uma workaholic assumida: não sabe, ao certo, quantas horas trabalha por dia. Mas há relatos – confirmados pela própria – de que se cruza tanto com a equipa que faz a limpeza, de madrugada, como com o senhor que abre as torneiras, durante a noite (para evitar a acumulação de bactérias). Foi tão bem recebida que resolveu retribuir: tornou-se a “mamã” de muitos estreantes nas lides europeias.
Marisa fala como uma guerreira, que defende os seus ideais, e olha com a doçura de quem protege e abraça, como talvez, em tempos, tenham feito com ela.
Nas Presidenciais de 2016 ficou em terceiro lugar e conquistou o melhor resultado de sempre para o Bloco de Esquerda. Está disposta a conquistar o Mundo, se a deixarem. Ou mesmo que não deixem.
Esta mini-biografia vai ser publicada no livro "Comentadores Políticos - Os intérpretes imediatos da realidade", da autoria de Renato Ferreira, Ricardo Jorge Pinto e Marta Rangel
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