Já viu a vida a preto e branco. Mas, de há uns anos para cá, tem descoberto muitos tons de cinzento. E outras cores também: mais vibrantes, como a vida.
Teresa é o típico exemplo de uma mulher jovem, na casa dos 30 anos, que nasceu no seio de uma família da classe média, com uma irmã poucos anos mais nova e um grande suporte e influência dos avós.
A infância foi passada entre a casa dos avós, nos Olivais, e a dos pais, em Alcântara. Na altura, as distâncias eram outras: as geográficas e as dos afectos. De Alcântara a Lisboa ia muito tempo de viagem. Tempo que não podia ser desperdiçado, numa família sem carro próprio e com as obrigações da escola e do trabalho. Já os afectos eram bem próximos: ainda hoje os olhos brilham de amor e aconchego.
- Em casa dos meus avós, comíamos comida da época e íamos à praça. Adorávamos! Lembro-me que, quando íamos para a escola, nunca levávamos a mochila às costas. O meu avô achava que podia fazer-nos mal à coluna!
O fim-de-semana era passado com os pais e dividido entre “fazer os trabalhos de casa e brincar”. Teresa e a irmã “eram terríveis”: o que, naqueles tempos, eram guerras e travessuras, hoje, é ternura e cumplicidade.
No Verão, iam para a “terra”, perto de Vila Real, onde era preciso chegar pelo “caminho antigo cheio de curvas e contracurvas”, com muitas paragens pelo meio. Quando lá estavam, tinham “a liberdade toda”. E, ainda hoje, a sentem na pele: livres na forma de ser, próximas na pertença.
Embora Teresa diga que tem poucas memórias de infância, a verdade é que, quando deixa o coração falar, as histórias surgem umas atrás das outras. E talvez fiquem para sempre.
Com a mãe, aprendeu a ser pragmática. Do pai, guarda o rigor, a valorização do trabalho e a luta por uma vida melhor. Foi criada, tal como muitas pessoas desta geração, com o objetivo de Ter – ter uma licenciatura, um bom emprego, uma casa, um marido, uma família. Mas, com as voltas da vida, Teresa está a descobrir a importância de Ser.
Não se lembra da primeira vez que disparou a máquina fotográfica. Mas lembra-se do que a levou para a fotografia: a necessidade de eternizar o que não queria perder.
- Acho que foi a morte do meu pai que me empurrou para a fotografia. Senti necessidade de deixar um testemunho. O meu pai jogava à bola, ao Domingo, na antiga piscina dos Olivais. Antes de ser vendida, galguei o muro e fui fotografar todas aquelas memórias. Até o banco onde nos sentávamos à espera dele. Ninguém fala connosco sobre a morte. Quando ele faleceu, tudo desabou.
De repente, tinha perdido todas as respostas. Tinham ficado só as perguntas. Quem a tinha ensinado a distinguir o certo do errado, o bem do mal, não estava mais aqui. As dúvidas acumularam-se: sobre ela própria, o sentido da vida, Deus.
- Era extremamente crente em Deus e zanguei-me com Ele quando o meu pai partiu. Fiz peregrinação a Fátima e, nessa altura, comecei a fotografar a rolo.
A passagem do digital para o rolo obrigou-a a ponderar, a abrandar, a olhar o mundo com outros olhos. Como se as possibilidade infinitas do digital – e da vida – parecessem agora mais limitadas. Como se o reduzido número de fotografias, num rolo, espelhasse a necessidade de apreciar os momentos da vida, afinal, tão fugazes.
- Numa fase, andei a fotografar os locais onde as pessoas faleceram. Andava na estrada à procura de sítios onde tinha havido acidentes e procurava saber a história dessas pessoas. Foi uma altura mórbida da minha vida. Mas percebi que, apesar de o corpo estar no cemitério, as pessoas continuam a celebrar o local onde a alma partiu.
Refugiou-se na fotografia, fez aulas de surf para “perder o medo do mar”, foi viajar sozinha para “ganhar coragem”, recorreu à ajuda da psicoterapia. Percebeu que a vida, de alguma forma, continuava. E lá foi procurando o ponto de equilíbrio, algures entre o travão e o acelerador.
- Aos 35 anos, conheci alguém que queria estar comigo. Quisemos engravidar. Depois de eu estar grávida, ele já não quis. Mas eu tinha um milagre dentro de mim.
Na mesma altura em que engravidou, perdeu o emprego e perdeu a amiga com quem partilhava casa. Sentiu-se afundar. Tinha perdido algumas mãos que antes lhe estendiam. Mas ganhou outras. Mãos, braços e abraços. Novas amizades, outros aconchegos, diferentes perspectivas sobre a vida. Hoje, está a lançar um negócio, comprou casa e a filha está prestes a fazer um ano.
- Para mim, antes, as coisas eram certas ou erradas, boas ou más. Mas temos de aprender a conhecer o espectro de cores que a vida tem. Às vezes, achamos que estamos a fazer a coisa certa e é errada. Não existe uma verdade. Existe a verdade de cada um.
Teresa ainda fotografa a preto e branco. Mas já se deixa levar pelas cores. Tem lutas com a cabeça, que teima em querer ter razão, mas esforça-se por calá-la, para ouvir o coração. Mudou de prioridades, largou a carreira, agarrou a vida. Sossegou.
Vai expor, pela primeira vez, alguns dos momentos que eternizou, em fotografia. Imagens que são tão dela quanto a sua história: que tem sonhos, dores, amores – como as nossas histórias, como as nossas vidas. Afinal, em cada Teresa há uma de nós. E em cada uma de nós, há uma Teresa.
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