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  • Foto do escritorMarta Rangel

#todaagentetemumahistoria

Teve tantos escapes que a vida quase lhe escapou. Chegou ao ponto de não saber se “morria de ataque cardíaco ou de cancro no pulmão”. Hoje, aos 44 anos, tem uma consciência de si, que é, ao mesmo tempo, libertadora e transformadora.

Filho de mãe solteira, fruto de uma relação ilegítima – pelo menos, aos olhos da sociedade – Luís foi criado por mulheres: uma avó que “tentava fazer de pai” e uma mãe que “vivia na culpa”. O pai sempre foi – e ainda é – uma figura ausente.


- Quando eu nasci, a minha mãe já estava sozinha. O meu pai ia emigrar com a família dele e perguntou se a minha mãe também queria ir. Mas ela não quis.


A mãe, consumida pela preocupação de criar o filho e de que nada lhe faltasse, desdobrava-se em dois empregos. A avó sentia-se no dever – e no poder – de se assumir como ‘o homem da casa’. De cada vez que se fala na infância, os episódios que vêm à memória de Luís são quase sempre negativos. Alguns ainda estão no corpo, na pele.


- Foi a minha avó que me ensinou a ler, mesmo antes de ir para a escola. Aprendi com violência física e emocional.


Não se lembra bem o que queria ser quando era criança. Talvez as agruras desta infância lhe tenham apagado os sonhos. Talvez a ânsia de se libertar das amarras lhe tenham trocado as prioridades. Numa espécie de mergulho no subconsciente, Luís recorda-se que “olhava para o céu com um fascínio incrível”. Mas dedicou-se às máquinas, outras máquinas, as da Informática. Mais tarde, os padrões repetitivos dos computadores, permitiram-no identificar a repetição dos seus próprios padrões de comportamento.

Luís afogou-se em trabalho, desde cedo. Ainda se afoga, um pouco, entre os dois empregos – tal como a mãe. Desde muito jovem, queria “ter, ter, ter”: comprou a primeira casa aos 23 anos para poder ter o próprio espaço. A fuga à avó já se tinha dado anos antes quando, já adolescente, a enfrentou para defender a mãe da agressividade que era cada vez mais frequente. Depois desta fuga, vieram outras. Mas já não fugia da avó, fugia de si próprio, mesmo sem ainda o saber. Trabalhava 18 horas por dia, comia “que nem uma besta” e “acompanhava os clientes em noitadas”:


- O meu veneno era Cardhu. Era fácil beber meia garrafa ao Sábado. Também comecei a fumar socialmente, apesar de ter asma. Fumava um cigarro e dava uma bombada. Chegava a dar 20 bombadas por dia.


Quando não se refugiava na “vida boémia”, encontrava outras fugas:


- Era o segundo melhor cliente do Blockbuster de Benfica. Alugava dois ou três filmes por dia. Lançava-me para dentro dos filmes, a tentar encontrar histórias nas vidas dos outros.


Lançou-se também, muitas vezes, em afectos e amores que, provavelmente, não os sentia assim. Andava à procura de qualquer coisa que não sabia onde encontrar. E, enquanto isso, ia saltando de cama em cama.


- Poucas vezes fui verdadeiro nas relações. Era uma cobardia. Um alimentar de ego. Não soube estar.


Durante nove anos, soube estar ao lado da mesma pessoa. Casou “porque ela quis”. E esteve casado pouco mais de dois anos com “a melhor amiga” e mãe de uma menina, filha de ambos.

De fuga em fuga, quase que a vida também lhe fugia. O coração começou a bater mais rápido – e não era pelos motivos certos. O ritmo cardíaco acelerou de tal forma, que já se equiparava ao de um atleta a correr a maratona. Às 9h da manhã, a tensão já atingia 18/10. Tinha 36 anos.

O corpo foi dando sinais que não podia mais ignorar. Passou três meses em exames e cateterismos. Numa radiografia, descobrem-lhe uma massa no pulmão. É encaminhado para o IPO. Mas, primeiro, tinha de resolver o problema cardíaco. E Luís vê-se encurralado. Longe das fugas da vida boémia, obrigado a enfrentar o que o corpo lhe pedia, a olhar para dentro, a olhar para si. E a perceber que não era imortal.

Talvez tenha perdido um Verão, mas ganhou uma nova vida. Saiu do Hospital sem diagnósticos preocupantes ou explicações racionais: as causas físicas da doença pareciam ter desaparecido. Restava curar as outras.


- Acredito que os nossos problemas físicos são, maioritariamente, de origem emocional. O meu coração estava a dizer ‘abre-te’. Quis dizer-me, durante muitos anos, algo que eu não queria ouvir: recebe um amor de braços abertos, de plena aceitação.


O Luís não saberia, mas o coração talvez soubesse: esse Amor veio. E, com este, vieram outros: melhores, maiores.


- Houve alturas em que eu dizia: ‘Não quero amar, não sei amar’. E ela respondia-me: ‘Mas tu interessas-me’. E mantinha-se ao meu lado. Hoje encontro esse Amor em todo o lado.


Encontra-o na companheira e na sua “autenticidade”. Encontra-o na mãe, com quem cortou “o cordão umbilical”, mas nunca a relação. Encontra-o no pai, que procura, de tempos a tempos. Encontra-o, sobretudo, dentro dele, no lugar mais importante de todos: o do amor-próprio. Mesmo com emoções por resolver e demónios por enfrentar. Em plena consciência.


- A minha filha cresceu sem pai presente...

- Ah sim...?

- Bem... eu estive lá sempre que ela precisava... e quando não precisava também (risos). O pai esteve lá sempre...

- Ainda te estás a convencer disso?

- Sim.


Hoje e – talvez – pelo resto da vida, o Luís precise de, a cada dia, convencer-se de que não é ausente como o pai; não precisa de ter dois empregos como a mãe e a raiva, que a avó lhe incutia, não lhe faz falta nenhuma. O que lhe faz falta, na realidade, já tem: um coração aberto, pronto para dar e receber. E talvez não precise de mais nada.

*

O Luís acaba de 'se lançar no abismo de paraquedas e asa delta. Que é como quem diz, deixou os dois empregos para trocá-los por algo muito maior: um caminho, uma crença sem limites, um propósito de vida. Encerrou um ciclo de 25 anos, os últimos passados numa empresa Fortune 500, para viver finalmente a vida que quer: dedicar-se ao empreendedorismo humano. O Luís vai trabalhar os outros, pelos outros, e a si próprio. A evolução continua: para simplesmente continuar a ser. Que é muito mais do que fazer.



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