Catarina Martins 7 Setembro de 1973
Coordenadora do Bloco de Esquerda
Dona de uns grandes olhos azuis, expressivos que, às vezes, deixam transparecer uma doçura que a assertividade das palavras parece querer esconder. Nasceu no Porto, mas poder-se-ia dizer que é uma cidadã do mundo, tantas foram as moradas que teve.
Cresceu com outra Catarina, filha de um casal amigo, com quem os pais partilhavam casa. É a primeira memória que tem – vaga - antes do nascimento do irmão, quando tinha quatro anos. Aos seis, mudou-se de “um quotidiano muito duro” entre Santo Tirso e Aveiro para São Tomé, onde os pais foram colocados para dar aulas. Ganhou tempo de qualidade em família, idas diárias à praia, bastava-lhe um vestido e um par de sandálias para ser feliz. Na escola, “safava-se bem”: “Fui a única branca em algumas turmas, mas nunca me senti excluída”, conta Catarina Martins.
Já, o regresso a Portugal, com nove anos, “foi um bocadinho mais complicado”: “Quando cheguei cá,
tinha uma professora extremamente conservadora, que me tratava como quem pensa ‘coitadinha, vem da escola dos pretos’. Lembro-me de me sentir desajustada.” Desajustada parecia-lhe ser também a moda por cá. Habituada a um clima quente e a vestuário minimalista, parecia que, em Portugal, “as pessoas andavam como árvores de Natal”.
Na juventude, “quis ser muitas coisas”. Impressionou-se com os vidros partidos de um Hotel em Luanda, a falta de água no Senegal e com a fome em Cabo Verde. Romantizou a ideia de ser jornalista. Depois advogada. Não foi nenhuma. Pelo meio, abraçou o Teatro. Em casa, já convivia com pessoas das mais variadas áreas: o pai desenhava, pintava e escrevia poesia; os amigos eram cantores, actores, encenadores. Escolheu os palcos como instrumento de intervenção. Fazia política sem partidos. E, durante muitos anos, não precisou deles para nada. Participou no movimento contra a Prova Geral de Acesso (PGA), entrou na luta contra as propinas, interveio nas áreas da precariedade laboral e de acesso à cultura. Com o nascimento do Bloco de Esquerda (BE), pela mão do próprio pai, identificou-se e resolveu enviar um e-mail a demonstrar disponibilidade. Ficou à espera de resposta durante oito anos. Na primeira vez que teve oportunidade de ser eleita, pensou duas vezes: “O João (Teixeira Lopes) convidou-me para ser candidata do BE nas listas de 2009, em terceiro lugar. E disse que existia uma probabilidade pequena de ser eleita, mas eu tinha de considerar essa hipótese. Hesitei. Eu gostava da minha vida como estava. Era complicado. Lembro-me dele dizer ‘não te preocupes, é só de 3ª a 6ª’. O que era absolutamente mentira (risos)!
É coordenadora do Bloco de Esquerda desde 2012. E, até hoje, sente a condescendência e o paternalismo de ser mulher: “As posições de uma mulher são sempre avaliadas a tentar perceber quem foi o homem que lhes disse para dizer aquilo. Esse paternalismo ainda se vê, sim. Se é ridículo? É. Mas há pessoas que gostam de permanecer no ridículo”.
É casada com um físico, de profissão, e mãe de duas filhas, adolescentes, que têm nela um orgulho mal disfarçado e, apenas, confessado aos avós. A elas quer transmitir o que herdou dos pais: “a ideia de que todos nós temos a responsabilidade de fazer com que as coisas aconteçam” e a capacidade de “entender a pluralidade, não julgar os outros à medida do nosso umbigo”.
Catarina continua de olhos postos no horizonte, no seu horizonte preenchido de mar. Sabe que, na vida como na política, “às vezes somos minoritários, outras somos maioritários”. O que importa é, como dizia Miguel Portas, “nunca desistir de nada”. Sobretudo, de nós próprios. E do que nos move. Porque “depois disto”, acredita Catarina, “não há mais nada”. Então, que façamos tudo o que há para fazer. Por nós e pelos outros.
Biografia publicada no livro "Comentadores políticos - Os intérpretes imediatos da realidade", Renato Ferreira, Ricardo Jorge Pinto e Marta Rangel; Chiado Editora
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