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  • Foto do escritorMarta Rangel

#todaagentetemumahistoria

“Em 2001 houve outro partido político a ganhar as eleições e as pessoas que eram da oposição, como o meu pai, tornaram-se inimigas. Nós tínhamos uma mercearia e era habitual os clientes pagarem no final do mês. Mas houve centenas de pessoas que não pagaram e perdemos tudo”.

Sumi Sultana nasceu a 2 de Fevereiro de 1996. Enquanto foi filha única, os pais conseguiam proporcionar-lhe “uma vida boa”. A mercearia dava o suficiente para sustentar os três elementos do agregado familiar e Sumi podia ser criança. Guarda a memória de brincar com plantas aquáticas e de “escrever” nas suas folhas. Um indício, talvez, de um grande desejo: “Desde os quatro anos, não sei dizer porquê, já queria estudar.”



No mesmo ano em que perderam a mercearia, o pai também adoeceu: “Ficou com problemas de coração e não podia trabalhar”. Por isso, optou por vender um terreno que tinha herdado de forma a poder pagar as despesas e comprar comida. Pouco tempo depois, em 2002, nasceu a primeira irmã de Sumi, segunda filha do casal.

- Eu era muito pequena, mas lembro-me que tivemos problemas financeiros. Não tínhamos dinheiro para comprar carne. Comíamos arroz e vegetais.


Em 2006, a mãe de Sumi conheceu Maria Conceição, responsável pela Fundação Maria Cristina (MCF), enquanto aprendia a costurar.

- Havia algumas pessoas que costumavam trazer roupas que já não usavam para transformar em sacos. A minha mãe não ganhava muito, mas dava para sobrevivermos.


Até aqui, Sumi estudava numa escola pública local. Através do contacto com Maria, ficou a conhecer a escola da Fundação Maria Cristina (MCF) e, após uma entrevista, em que passou “com distinção”, foi aceite e começou a frequentar o 4º ano.

- Quando entrei na MCF fiquei muito feliz! As aulas eram num ambiente completamente diferente da escola pública. Eram num apartamento, com tudo muito organizado, muitas pessoas a tomar conta de nós, não havia demasiados alunos numa sala, as professoras davam atenção a todos, tínhamos computadores, uma cantina, podíamos brincar… Tínhamos tudo aquilo de que precisávamos! Na escola pública, nunca tinha visto um computador e havia uma professora para 50 ou, às vezes, 100 alunos que tinha de gerir tudo sozinha.

A mãe aprendeu a costurar, de forma profissional, através da MCF e o pai passou a trabalhar na escola como porteiro. A vida parecia encaminhar-se e, nos dois anos seguintes, nasceram mais duas crianças.


- Nessa altura estávamos na MCF, não tínhamos despesas de educação, então só precisávamos de dinheiro para a renda, comida e roupas. O meu pai e a minha mãe trabalhavam e era suficiente. Eu e as minhas irmãs nunca trabalhámos, só ajudávamos a minha mãe quando podíamos.



O volte-face numa aparente estabilidade familiar e financeira surgiu com o fecho da escola da MCF, devido a problemas de gestão com a equipa local e em resultado da crise financeira internacional. Ainda assim, os pais de Sumi conseguiram garantir que as filhas continuassem a estudar numa escola pública local.

- Mudei de escola em 2011. Os meus pais pagavam mensalidade e, como não era muito cara, conseguiam garantir tanto a minha educação como a das minhas irmãs. Mas não foi fácil. Na MCF, o ensino era em inglês, mas, nessa escola, era completamente em Bengali (língua oficial do Bangladesh) e tive que estudar todas as disciplinas nessa língua. Sentia-me como se fosse cega e estivesse a começar tudo de novo! O ambiente na escola também não era muito bom. Cada sala tinha mais de 70 alunos.

Ficou nesta escola até ao 10º ano e, com o regresso de Maria Conceição ao Bangladesh, veio também uma nova oportunidade: estudar numa escola privada, com aulas em inglês. Pode parecer um luxo, pode até levar os mais cépticos a questionarem para quê o ensino numa língua estrangeira… Mas de que outra forma poderiam virar as costas à realidade de pobreza extrema, no Bangladesh, e abrir portas para o mundo? Como poderiam ter uma oportunidade num mercado de trabalho global?

Depois de completar o 12º ano, veio a tentativa de entrar na Universidade.


- Tentei entrar numa universidade pública, em Daca, mas era muito cara. Então, fui dar aulas a estudantes e aprendi a fazer joalharia. Esperei durante três anos por uma oportunidade. E não perdi a esperança por causa da Maria. Eu sabia que ela faria alguma coisa.



E fez. Actualmente, Sumi está no segundo ano de International Business Management, no Instituto Politécnico de Bragança, em Portugal. Em simultâneo, trabalhava numa cadeia de fast-food mas, com a pandemia, perdeu o emprego. Não desistiu. Está à procura de outro trabalho porque precisa de pagar as despesas e os empréstimos que contraiu para poder viver em Portugal. Quer terminar os estudos e ter um negócio. Enquanto isso, a mãe e duas irmãs estão no Dubai com Maria Conceição, onde Sumi também já esteve a realizar um estágio:

- Foi uma excelente experiência. Pude ver como funcionam os negócios, conheci pessoas de vários países, em ambientes de trabalho completamente diferentes… Aprendi imenso!

A outra irmã continua no Bangladesh com o pai. São uma família com quatro meninas, quatro filhas quando, na sua terra-natal, culturalmente, as mulheres são desvalorizadas, vistas como um fardo e obrigadas a casar em tenra idade para deixarem de ser uma despesa para os pais. Inevitavelmente, havia uma pergunta que tinha de fazer:

- E como é que o teu pai reagiu ao facto de ter quatro meninas e nenhum rapaz?

- O meu pai adora crianças e sempre tomou muito bem conta de nós.

- Compreendo… e ainda bem! Pergunto, apenas, porque sei que, culturalmente, as mulheres são mal-vistas no Bangladesh e como vocês são quatro filhas…

- Sim, mas o meu pai não é assim. Quando a minha irmã mais nova nasceu, ele estava tão feliz como quando eu nasci.



Felizmente, há excepções. Mas Sumi sabe que a “regra” no seu país - em relação às mulheres - ainda é outra:


- Não quero regressar ao Bangladesh. Não gosto do ambiente de trabalho no meu país. Na Europa, somos respeitadas. No Bangladesh, só se formos estrangeiros. Além disso, a taxa de desemprego é muito elevada. Eu amo o meu país, mas não há trabalho para mim. Não vale a pena regressar.


Talvez só valha a pena regressar aos sítios onde fomos felizes. Talvez a felicidade de Sumi tenha ficado esquecida na infância. Talvez o caminho - para seguir em frente - não permita olhar para trás. E eu acredito que ela terá um caminho brilhante pela frente. Se também acreditam que estas meninas e meninos da Fundação Maria Cristina (MCF) merecem ter as mesmas oportunidades do que os restantes jovens no resto do mundo, podem ajudar ou recolher mais informação através do site, Instagram ou Facebook da MCF.


 

Esta história é verídica e relata a vida de Sumi, contada na primeira pessoa, durante uma entrevista realizada por videochamada no dia 10 de fevereiro de 2021. Foi escrita no âmbito de um trabalho realizado para a Fundação Maria Cristina.

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